sábado, 31 de julho de 2010

Segregação

Suponha que você seja, sei lá, budista. Um dia, encontra alguém, rola um clima e vocês vão parar em um motel. Talvez a outra pessoa tenha conversado com você sobre Buda, talvez até tenha dito que era budista também. Ou não, isso pouco importa. O fato é que, mais tarde, você descobre que seu(sua) parceiro(a) sexual professava outra religião. Você se sente enganado(a). É caso de polícia?

Em Israel é. Segundo a revista Veja de 28 de julho, o árabe israelense Sabbar Kashur (30 anos) foi condenado a 18 meses de prisão por ter transado com uma judia israelense sem ter-lhe avisado que não era judeu. O sexo foi consentido, mas Kashur foi condenado por "violação sexual mediante fraude".

O jornal israelense Haaretz dá mais detalhes. Kashur apresentou-se como um judeu solteiro à procura de um relacionamento romântico sério. Ato contínuo, os dois foram para um prédio próximo e mantiveram relações sexuais. Ao descobrir que ele não era judeu, a "vítima" denunciou-o por estupro e atentado violento ao pudor. Os juízes entenderam que, ainda que o sexo tenha sido consensual, o consentimento foi obtido mediante engano e falsos pretextos. "If she hadn't thought the accused was a Jewish bachelor interested in a serious romantic relationship, she would not have cooperated", escreveram os juízes.

Verdade, mas, cá entre nós, você iria para a cama na mesma hora se um careca barrigudo (Kashur é careca e barrigudo) lhe dissesse que é um torcedor do América solteiro em busca de um relacionamento romântico sério? E, se fosse, depois o processaria por descobrir que, além de careca e barrigudo, na verdade ele era flamenguista?

***

Ainda de acordo com Veja, "o governo israelense fez, no ano passado, uma campanha que desencorajava judeus a se casarem com pessoas de outras religiões." O próximo passo, quem sabe, pode ser sugerir que muçulmanos preguem uma lua e uma estrela em suas camisas, para que sejam mais facilmente identificados como tais. Cristãos devem costurar uma cruz. E, por que não?, para que se reconheçam entre si, os judeus podem prender estrelas de Davi em suas roupas. Assim, ninguém mais vai para a cama enganado. A menos que se conheçam já desnudos, o que é improvável.

***

O sujeito encontra, digamos, a atriz Danielle Winits na rua. Rola um clima e os dois vão para um motel. Tempos depois ele descobre que a moça não é loura e que os seios são falsamente turbinados. Ó, céus, o rapaz foi enganado! Pobre Danielle Winits, pode acabar na cadeia por causa disso.

***

A maior parte dos comentários dos leitores no site do Haaretz repudiam o veredito. Ainda bem. Tomara que os autores dos comentários sejam jovens judeus israelenses.

domingo, 25 de julho de 2010

Filhos sem irmãos

A Istoé da última semana (data de capa 21 de julho de 2010) diz, na reportagem de capa, que é cada vez mais comum as famílias brasileiras terem um único filho. Segundo a revista, especialistas garantem que as crianças que crescem sem irmãos "podem se tornar adultos tão ou mais saudáveis do que aquelas que crescem em grandes famílias."

Não discuto este aspecto. Pais podem educar bem ou mal um ou cinco filhos; depende pouco do tamanho da prole. Mas estranho as justificativas. De um lado, criar filho é caro; de outro, há pouco tempo para se dedicar a ele(s).

É tudo verdade e, ao mesmo tempo, não é. Em geral, são os mais endinheirados que optam pelo filho único. E também são eles que têm condições de contratar babás. Na verdade, o que mudou nas últimas décadas foram as prioridades e os desejos. Há trinta ou quarenta anos, muitas mães já trabalhavam fora e a contratação de babás não era tão comum. Não obstante, tinham mais filhos. Porque desejavam tê-los e porque os encaravam como prioridades.

Hoje, as prioridades me parecem mais próximas do consumo do que do afeto. Não há nada de errado nisso; temos que entender que a sociedade muda. Viajar para o exterior, possuir um televisor de 42" e morar no Leblon pode ser mais interessante do que ter dois filhos. E é evidente que, quanto mais filhos tivermos, menos dinheiro e tempo teremos para gastar conosco.

Ter um filho só é, portanto, uma opção lícita e justa. Só não é justo com os nossos pais dizer que esta escolha deve-se à falta de tempo ou de recursos.

***

Os filhos únicos da minha geração, coitados, terão que lidar sozinhos com a nossa velhice.

***

Ter irmãos é muito bom. Ter primos, também. Os filhos únicos da minha geração não têm irmãos. Nossos netos, por conseguinte, não terão primos.

(Escrito em 21 de julho de 2010)