sábado, 25 de fevereiro de 2012

"Senhorita Júlia" e as estranhas reações do público de teatro

foto de divulgação
Há poucas semanas fui assistir à peça "A propósito de Senhorita Júlia", adaptação de José Almino e Walter Lima Jr. para o clássico "Senhorita Júlia" de August Strindberg. Posso estar enganado, mas, no meu entender, trata-se de um drama. Creio que, ao transpor a história da Suécia do século XIX para o Brasil do século XXI, não se tentou fazer uma paródia da obra. Não acho que houve intenção satírica. Mas devo estar enganado, pois o público se escangalhava de rir. E aplaudiu de pé! A questão é: a plateia aplaudiu exatamente o quê? Na minha imodesta opinião, não exatamente o drama que a peça é, mas a comédia que ela pensou ter visto.

A história se passa na cozinha de uma casa de classe alta. A filha riquinha do dono da casa flerta com o motorista do pai, um sujeito mais ou menos articulado, mais ou menos ambicioso, e mais ou menos ressentido. O rapaz, que é noivo da cozinheira, deixa-se envolver. É um enredo de conflitos sexuais e de classes. Como era o original de Strindberg.

Ao transporem a intriga, Almino e Lima Jr. transformaram o dramaturgo sueco em uma espécie de Nelson Rodrigues. Parece-me que a pretendida transposição para o século XXI não foi de toda feliz, mas, se tirarmos algumas poucas referências aos dias atuais, poderíamos encaixá-la muito bem nos anos 1950. Concedo até que, assim como no trabalho de Nelson Rodrigues, a montagem tem sim um toque de humor. Mas, em geral, não de um humor satírico ou burlesco, e sim irônico. Diálogos irônicos, contudo, não costumam levar as pessoas às gargalhadas.

Supondo que o público achasse a montagem muito ruim, eu entenderia que ele risse, mas não que aplaudisse de pé. Supondo que achasse muito boa, eu entenderia que aplaudisse de pé, mas não que risse. As duas coisas juntas, para mim, não fazem sentido. Desta forma, só há duas conclusões possíveis: ou o púbico não compreendeu nada ou fui eu.

Independente da plateia ter entendido ou não, aplaudir - e de pé - é a coisa mais comum nos teatros cariocas. O que nos leva a imaginar que a nossa produção cultural é de primeiríssima qualidade; tão boa que fica difícil selecionar uma peça para ser ovacionada de pé, por isso aplaudimos todas. Isto ou o público tem medo de entristecer o elenco. Vai que esbarramos com um dos atores na praia, não é mesmo?

E tem mais: nem importa quem é o melhor ator ou atriz em cena, o negócio é aplaudir a "estrela global". Na boa: há ótimos artistas em cena que garantem o ganha-pão na TV Globo. Eles podem até ser os melhores em determinados espetáculos. Merecem nosso aplauso e nosso respeito. Mas não são os melhores sempre. Não mesmo. Se tiverem um pouco de autocrítica, devem até ficar constrangidos ao receberem mais apupos do que outros colegas com quem dividem o palco.

Enfim, acredito que temos uma produção cultural de muito bom nível. Mas lamento que fique difícil destacar o que é realmente bom do que é somente bom, bonzinho, ou mesmo razoável, se as pessoas tratam tudo como a sétima maravilha.

E não falei da peça: o enredo é bom, os atores são ótimos e a trilha sonora é muito - mas muito - fraquinha. Aplaudi sentado.

P.s.: Qualquer dia faço uma lista das peças de que mais gostei nos últimos 20 ou 30 anos. Das que mereceram ser aplaudidas de pé.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

II Guerra e a origem do mal

"Nada autoriza a ideia tão disseminada de que o passado humano foi bucólico, pastoril e pacífico. Há poucos séculos, matavam-se pessoas com base em superstições avalizadas pela hierarquia religiosa, a escravidão era oficial e apenas discordar da opinião vigente podia equivaler a uma sentença de morte."
[Steven Pinker, professor de psicologia de Harvard, em entrevista à revista Veja de 4 de janeiro de 2012]

Em setembro de 2010, escrevi uma resenha sobre o filme "A Fita Branca", de Michael Haneke, deixando de lado o argumento de alguns críticos sobre a formação do caráter da geração que criaria o nazismo alemão. Segundo tais críticos, Haneke desejava buscar em sua obra a origem do ódio que provocou o Holocausto.

Após ler a biografia da amante de Hitler – "A História Perdida de Eva Braun" –, comecei a considerar que tais críticos tinham razão. O Führer nasceu em uma família completamente desestruturada. Seu pai o espancava frequentemente e era de uma infidelidade doentia. Uma foto de Eva Braun no internato é assustadora: quase todas as crianças aparecem sujas, tristes e mal-vestidas. Segundo a autora, Angela Lambert, havia muita opressão à época. Essas crianças maltratadas poderiam mesmo vir a se tornar adultos cruéis como Himmler, Goebbels e outros figurões nazistas.

Crianças reprimidas do século XIX, que sofreram as humilhações impostas pelo Tratado de Versalhes quando jovens, e enfrentaram uma dura crise econômica quando adultas, tornaram-se, em parte, defensoras de um nacionalismo e de um racismo exacerbados.

Steven Pinker diz, em sua entrevista à Veja, que "no caso da Alemanha, é preciso observar que, por baixo da fina camada de verniz civilizatório da República de Weimar, o curto período democrático depois da I Guerra, fervia o nacionalismo retrógrado baseado na ideia da superioridade racial teutônica que descambaria no nazismo. Foi algo tão forte que apagou a noção do bem e do mal." Talvez a dificuldade de diferenciar o bem do mal tivesse origens ainda mais profundas, como aquelas mostradas no filme "A Fita Branca".