sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Irrelevâncias legislativas e promiscuidades judiciárias

A revista Veja desta semana (data de capa 28/09) comenta um assunto que já havíamos abordado aqui no post "A lei na calcinha". A reportagem de Veja aborda várias leis ou projetos de leis irrelevantes ou inúteis. Chega à mesma conclusão a que já havíamos chegado: nosso Poder Legislativo não produz reformas relevantes porque perde muito tempo com bobagens.

A reportagem usa, ainda, uma frase que costumo repetir: "no Brasil, parte-se do princípio de que todo o mundo é culpado". Esta é uma razão para termos tantas leis e tanta burocracia. E as coisas só pioram. No fim das contas, a vida do brasileiro honesto fica mais difícil e os corruptos continuam agindo do mesmo jeito. Era preciso que houvesse menos leis e que elas fossem interpretadas pelos juízes de forma mais ampla, a partir de critérios éticos. No Brasil, o sujeito pode ser sabidamente ladrão mas encontrar um brecha no cipoal legislativo para escapar das punições previstas.

A burocracia gerada por este exagero legislativo às vezes sai mais cara do que os desvios que ela se propõe a coibir. Uma multidão de funcionários públicos é necessária para carimbar papéis, conferir e acumular documentos. Já fiz parte da burocracia estatal mais de uma vez. Falo com conhecimento de causa.

Outra matéria da revista reforça a nossa sensação de impotência, de estar vivendo em um país muito estranho. Trata das relações de amizades entre juízes, advogados de defesa e réus. Um absurdo total. Em princípio, os juízes deveriam se declarar impedidos de julgar casos em que o réu é um amigo. Não parece ser o que acontece em nossa terra. Mesmo nas mais altas esferas, segundo revela a Veja.

A ladroagem que produz novas leis e processos burocráticos e as relações suspeitas na área jurídica são frutos de uma mesma lassidão moral, um clima de "nada a ver" (como diz J.R Guzzo em seu artigo na última página da mesma revista) que grassa neste país. É triste, é desesperador. E é pena que os defensores da ética do passado, hoje chamem os que ainda se revoltam de "golpistas de direita", quando, na verdade, há gente de todos os espectros incomodada com o atual estado das coisas. Tanto quanto estava antes. Porque a ética e a ladroagem não são exclusividade de nenhuma corrente política.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Acontece comigo também

Tentei secar os olhos de Maria
e não consegui.
Suas mãos frias, eu não pude reter.
Moveu-se para frente.
Balançou-se.
Gemeu.
Abracei-a por trás.
Aproximei sua cabeça do meu peito.
Soluçou.
Fechei meus olhos e continuei a segurar seu rosto.
Docemente.
Gentilmente.
Acalmou-se. Um pouco.
Não olhou para mim.
Olhava para dentro de si.
Para além.
Sonhara.
Eu sabia com o quê.
Acontece, às vezes. Comigo também.

[18.01.2009]

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sanguínea madrugada

Nada impede que eu te ame. Foram vinte? Trinta anos? Pouco importa: nada impede que eu te ame. O tempo e a distância intransponíveis não impedem que eu te ame. Como sempre. Como desde o primeiro dia. Nossos brinquedos, nossas brigas, nossa mútua compreensão, nossos desentendimentos. Quarenta anos seriam? Fossem cem e, ainda assim, eu te amaria. Nem a desdita, esta ávida pantera, nem mesmo ela me impede de te amar. O fígado que sofre, a dor que vem da medula, a vertigem do corpo no espaço, o coração que fraqueja, nada impede. Além da existência, por quantos anos restarem, até o fim dos dias, nada me impedirá de te amar.

[11.09.2011]