segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Da iniciação à angústia do leitor

Contava ainda menos de 10 anos quando ganhei de uma tia uma caixa grande. Crianças gostam de brinquedos grandes. Abri animado. Curioso. Mas só saiu papel lá de dentro. Caixas dentro de caixas, talvez. Lá no fundo, um pequeno livro cuja estranha história falava de uma galinha. Estranha mas interessante. E adorei “A vida íntima de Laura”.

Vovô viu a uva. Eu não sou tão velho assim, mas fui alfabetizado com frases como esta. Ivo, vovó, essas pessoas estavam no meu livro do pré-primário. O personagem principal era um menino chamado Davi, que sabia empinar pipa, coisa que eu invejava em Davi, pois nunca fui muito bom nisso.

No curso de alfabetização, lembro de um dia em que cada criança tinha que ler um livro por ela mesma escolhido da biblioteca de livros infantis da escola. Talvez fosse uma espécie de “hora da leitura”. Não era para ler em voz alta, para discutir, para ser sabatinado, testado, nada. Era só por diversão mesmo. Meu livro contava a história de um urso, de quem não lembro o nome, mas acho que me lembro do desenho. Acredito que li mais de uma vez e achei muito divertido.

No ano seguinte, na nova escola, tínhamos um livro em papel-jornal com menos desenhos e muitas histórias. Tínhamos que ler os textos em voz alta e, em geral, meus colegas não gostavam muito disso. Mas eu me amarrava e meio que disputava com uma menina o posto de “melhor leitor da classe”. Também por esta época tivemos que ler uma obra chamada “Lúcia já vou indo”. Tinha pouco texto para os meus ávidos olhos de leitor iniciado e, assim, cansei um pouco da literatura infantil. Passei a devorar gibis, mas ainda assaltava a mala de velhos romances infanto-juvenis do meu pai. O marujo Simbad, Marcelino Pão e Vinho, João que Chora e João que Ri não tinham nada a ver com a minha infância. Ninguém mais escrevia livros infantis como a Condessa de Ségur. Mesmo assim, meus irmãos e eu degustamos todos ou quase todos os livros da mala.

Aos dez anos de idade, uma obra infanto-juvenil mudou minha vida. “O gênio do crime”, com sua trama detetivesca, me fez querer voltar à literatura com mais vontade. Não larguei os quadrinhos, mas emprestei vários Monteiros Lobatos de umas primas, li uns Júlios Vernes de outro primo, freqüentei a feira de livros de perto de casa, tracei uma edição de “Helena” e outra de “Amadis de Gaula” da casa dos meus avós. Fui apresentado ao ladrão de casaca Arsène Lupin e ao playboy Irving Le Roy por meu avô paterno, que os resgatou do incêndio para meu gáudio. Minha querida Carmem, passadeira e paciente cuidadora eventual das três crianças lá de casa, emprestou-me “O escaravelho do diabo”, me apresentando à série Vagalume quando eu tinha 11 anos. Mais ou menos pela mesma época, uma tia veio de João Pessoa para o natal familiar com uma coleção de livros de Lígia Bojunga Nunes. Um livro diferente para cada sobrinho. Virei fã.

Depois, foi começar a ler os romances da estante da minha mãe. Coisa de gente grande. Alguns, tive de largar para só voltar a ler anos mais tarde. Associei-me a bibliotecas, mas não as freqüento tanto assim. Compro, ganho, dou, tomo emprestado e empresto livros. De ficção e não-ficção.

Mas leio devagar. Mais lentamente do que gostaria, já que há muitos livros bons por serem lidos. A angústia do leitor é saber que nunca conseguirá ler tudo o que desejaria. O leitor é um masoquista: quanto mais lê, quanto mais prazer tira da leitura, mais esta angústia do tempo finito lhe aperta o peito.

Um comentário:

  1. Adorei e me identifiquei com vários momentos dessa jornada literária!!!
    Tá massa o umbigo, meu querido!
    abração!

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